10.9.06

Pequenos delitos


O povo (essa entidade abstrata que, de quatro em quatro anos, se corporifica no discurso dos candidatos) anda indignado com a desonestidade dos políticos brasileiros. Estou generalizando de propósito, pois mesmo aqueles que não botam a mão na massa são, no mínimo, complascentes.
Calma, não desista de ler ainda. Sei que você já está de saco cheio com os artigos e matérias "moralizantes" que circulam por aí, mas conceda-me um minuto da sua atenção e reflita junto comigo. Será que somos, realmente, um povo honesto? Como medir a honestidade de alguém? Quem, por exemplo, usa a xerox da empresa onde trabalha para copiar documentos pessoais é mais honesto do que o patrão que sonega imposto?

Admito, por hipótese, que faz parte do nosso jeito brasileiro de ser, uma certa condescendência em relação a pequenos delitos. O famoso "jeitinho brasileiro" não seria outra coisa senão a nossa habilidade em lançar mão de ardis, artimanhas, subornos e conchavos. Mais do que socialmente aceito, tal comportamento chegaria mesmo a ser desejável, como parte das táticas de sobrevivência dos indivíduos frente a uma sociedade que não oferece as mesmas oportunidades para todos. Furar fila, colar durante a prova, dar "aquela roubadinha" no trânsito, fazer gato de água e luz etc, são comportamentos aceitos com naturalidade. Aos olhos da maioria, que age assim não é desonesto, e sim esperto.

Então, por que nos indignamos com a ladroagem dos nossos homens públicos? Talvez, pelo papel simbólico que desempenham como representantes do "povo", ou por causa do tamanho do trambique, ou, ainda, por causa do poder desproporcional que possuem.

Minha segunda hipótese é que existe um limite a partir do qual os indivíduos passam a considerar o delito como inaceitável. Um limite entre o "jeitinho" e o crime, onde o agente deixa de ser "esperto" para ser ladrão. O problema é determinar que limite é esse, uma vez que ele é subjetivo e, provavelmente, varia de indivíduo para inivíduyo.

Como você vê, estou apenas conjecturando. Não tenho resposta para nenhuma dessas questões, mas me parece claro que, se desejamos ter representantes honestos, é necessário que nós, os representados, também sejamos totalmente honestos. E, se minha primeira hipótese estiver certa, esse dia está longe, muito longe ainda.

5 comentários:

Anônimo disse...

Obrigado pelo comentario no meu blog.. o seu tem textos muito interessante.. já botei nos favoritos parar ler alguns depois! Parabéns!

Fugu disse...

Passei por aqui, parei, li, li mais, e mais um pouquinho. E marquei nos favoritos para continuar acompanhando você. Adorei encontrar aqui alguns autores que leio com atenção, e ótimas observações suas. parabéns! beijo você.

Claudio disse...

Acho sim, e que venham as pedras, que o povo brasileiro tem uma índole corrupta, ainda que seja nas pequenas coisas.

Seu texto é perfeito, mas poucos tem coragem de admitir isso.

abs

Claudia Pinelli® disse...

Bravo, Zé!!!
A verdade é essa mesmo.. Sua (primeira) teoria está certa...
"Ah, mas eu só dou uma roubadinha, ele não, ele rouba milhões..." Porreta, né não??
No mínimo, uma grande hipocrisia..
E sim, esse dia em que seremos todos honestos, p q assim possamos exigir honestidade de nossos governantes está longe, muito longe ainda de chegar..
Bjks..

Anônimo disse...

Um texto antigo de Umberto Eco aborda a corrupção nas instituições e empresas européias. Ele explica que a tolerância até um certo nível tem dois motivos. O primeiro, de ordem psicológica, o outro, contábil.

Obter alguma vantagem ilícita seria a forma do empregado reagir à opressão que o trabalho lhe impõe. Mais que as vantagens, valeria a satisfação de passar para trás quem lhe submete.

Na ponta do lápis: O empregado ganha mais sem que isso acarrete encargos sociais para a empresa. Frio assim.

A coisa é complicada mesmo.