9.11.06

A nau dos insensatos 3

Os dois posts anteriores geraram comentários interessantes e resolvi aprofundar um pouco mais a questão da identificação dos usuários da Internet. Tomo como ponto de partida os comentários da Viviana (contra o projeto) e do Anônimo que, inteligentemente, usou essa condição para ilustrar e reforçar seus argumentos a favor do projeto de lei em questão.

Já deixei clara minha posição, que coincide com a opinião da Viviana. Reconheço, contudo, que os receios do Anônimo têm fundamento e, portanto, é natural que ele pense do modo que pensa. Acontece que a questão é muito mais complexa e para compreendê-la é necessário, na minha opinião, fazer uma distinção entre crime e cibercrime. O roubo, por exemplo, é um crime do "mundo real", que pode ser praticado de diversas formas - assalto, invasão de propriedade etc - e que, eventualmente, se vale da Internet como meio facilitador. A invasão de um computador (através de um trojan ou algo parecido) com o objetivo de capturar senhas de acesso a contas bancárias é um cibercrime, ou seja, um crime típico do "mundo virtual". O primeiro se combate com as leis convencionais; o segundo se combate com informação e tecnologia.

As tentativas de submeter os cibercrimes às leis convencionais têm sido, quase sempre, mal sucedidas. Vejam o caso do spam: durante muito tempo o spam foi objeto de movimentos que clamavam por sua criminalização; os EUA e vários países da Europa aprovaram leis rigorosas contra os spammers; na prática, somente uns poucos gatos pingados foram alcançados pelas referidas leis; o spam continua existindo, mas hoje existem soluções tecnológicas capazes de barrar quase 100% das mensagens indesejadas e quanto mais bem informado é o internauta, menos eficazes são os spams endereçados a ele.

Essa ineficácia das leis convencionais se deve, dentre outras coisas, ao caráter transnacional da Internet. O ciberespaço não tem fronteiras, ao passo que as leis são feitas e aplicadas dentro de espaços nacionais. De nada adianta, por exemplo, exigir a identificação de usuários no Brasil se o autor de um eventual crime, cometido contra um cidadão brasileiro, pode estar no Japão, no Canadá ou no Nepal. O projeto de lei do senador Azeredo é simplista, ineficaz e ameaça as liberdades individuais, uma vez que parte do princípio de que todos são culpados até prova em contrário.

Ainda bem que alguém teve o bom senso de retirar o projeto da pauta. O problema é sério demais e a solução deve ser amplamente discutida pela sociedade.


5 comentários:

Carlos Emerson Junior disse...

Caro José Alberto, havia outro problema na lei do Senador (?) Eduardo Azeredo. Como exigir CPF e RG de menores de idade ? E lembre-se que esses menores são os maiores usuários da Web.
Ah, podiam usar os documentos dos pais, dirão alguns. Claro, mas já imaginou que confusão daria se essa criança faz, inadvertidamente até, uma bobagem ? Vão processar os pais ?
Esse projeto de lei tem que ser discutido com a sociedade e principalmente com o pessoal da área. Alguém dos blogs foi ouvido ? Algum provedor mandou sugestões ?
E o senador (?) Eduardo Azeredo declarou ontem que "era da área"!
Putz!

Anônimo disse...

Agora que vocês já sabem quem eu sou, o Anônimo do "posts", concordo plenamente com a posição de debater exaustivamente a questão com toda a sociedade, acho que deixei isso bem claro nas entrelinhas do meu comentário anterior, quando não, diretamente. É natural, parafraseando o Alberto, que as pessoas levantem todas as questões próis e contra a proposta e a idéia, mas não podemos deixar de considerá-la com um bom começo para o assunto. O Alberto argumenta que o "ciber espaço" não tem fronteiras, mas as leis sim. Ora, é preciso começar e ser pioneiro se a idéia for boa a tendência é os outro lugares copiarem também, a exemplo das urnas eletrônicas que o mundo hoje copia do Brasil.

Finalizando este post, mas não o assunto:

Profetizo aqui, já que o profeta está na moda, essa discussão toda está dando vulto ao assunto e não mingua; o estopim foi acionado e o tema está inflando; o processo é irreversível na minha concepção. Dividirá opiniões no começo, mas a razão prevalecerá sobre os interesses individuais. E obviamente ganhará adeptos à medida que as questões e questiúnculas forem esclarecidas e acordas pela maioria entre os apartes que surgiram. Mas que vai ter lei, ah! Isso vai...

anja disse...

Bah! Aqui um aparte meu sobre este lance, que coloquei no multi:

Diz que vão fichar todo mundo que anda pelas internet. Isso inda não vai terminar bem.

Vou dançar! Em tudo na net sou:
Nome: Anja
Sobrenome: Azul
profissão: Bah
cep: Bah
Est. Civil: Bah
Pais: Bah
Cor: Bah
Interesses Pessoais: Bah
cpf: Bah
Sexo: muler fêmea

josé alberto farias disse...

Carlos, você está certo. Eu não havia atentado para este detalhe.

"Anônimo", como assim já sabemos quem você é? Eu não sei. Amanhã, com mais calma, vou publicar mais alguma coisa a respeito.

Vamos continuar debatendo.

Anônimo disse...

Quis dizer que a minha identidade nesse ciberespaço é “Anônimo” e vocês conhecem-me como um alguém virtual que se expressa aqui sob este pseudônimo e com um ponto de vista peculiar, por isso me conhecem. Aqui as leis do mundo real não me atingem por falta de conectividade entre ambos os mundos e ainda posso ser um bandido ou mocinho ao mesmo tempo e a bel-prazer. Tudo depende da minha consciência e livre-arbítrio. Mas como você pensou em termos de “pessoa real” do “mundo real”... Vê com uma coisa é ligada à outra? Isso está na nossa natureza. O modo como a internet opera hoje, essa noção natural vive um dilema dicotômico de identidade. Confundimos sistematicamente o corpo da pessoa do mundo virtual com o corpo da pessoa do mundo real. E pessoa é mais que um corpo físico ou aparências. É uma mente se expressando através de um sistema e nós conhecemos dois, o corpo biológico em interações antropomórficas (ou corpo a corpo) ou o corpo virtual constituído pela internet em interações subjetivas (mente a mente). A “identidade virtual” é fundamental para refrear humana e eticamente as mentes sem “corpos biológicos” onde o egoísmo e falta de escrúpulos encontra terreno baldio para agir impunemente. Embora isso pareça um discurso ético e filosófico o fato é que a questão está no terreno da ética e da concepção filosófica sobre a humanização do “ciber-espaço”. E como humanizar o mundo da “MATRIX”, onde tudo é permitido, sendo que o mundo real se utiliza dela para cometer crimes no próprio mundo real porque este é o único meio de neutralizar o eficiente sistema de controle ético de uma sociedade civilizada que a identificação pessoal? Não estou partindo do principio de que todos são bandidos e sim que terras sem leis precisão ser colonizadas pela civilização, tal como ocorreu no período medieval da nosso história. Liberdade com ética. Acho que daria uma bandeira.