8.1.07

Eu e meus outros eus

No ano passado fui entrevistado pelo site G é h acerca de um tema que raramente abordo aqui. Reencontrei a página por acaso, quando fazia uma pesquisa no Google sobre a fotógrafa Irina Ionesco. Como a entrevista está nos arquivos do site, decidi transcrevê-la aqui, para que vocês me conheçam um pouco mais.

Géh - Perfil pessoal: Quem é Jozé de Abreu? Há quanto tempo está no ramo da fotografia? Pode falar sobre sua trajetória?

Jozé de Abreu: Poxa, se você me disser quem sou eu, ficarei eternamente agradecido. Pergunta difícil, moça. Sou ator de muitos papéis, malabarista por necessidade, gozador por opção, cheio de dúvidas e dívidas, como todo brasileiro que já passou dos 50. Tenho mulher, filhos, uma casa e muitos livros. Sou um privilegiado!

A fotografia entrou muito cedo em minha vida. Meu avô tinha uma coleção de daguerreótipos e cartões-postais franceses do início do século passado, com belas mulheres nuas. Eu era menino ainda e ele me mostrava às escondidas. Deve ter vindo daí meu interesse pela fotografia erótica. Mas só comecei a fotografar aos 25 anos, quando comprei minha primeira câmera.

Tem uma coisa que faço questão de deixar claro: não sou fotógrafo profissional. Raramente ganho dinheiro com minhas fotos.

Géh - Erotismo nos meios de comunicação: Fala-se muito sobre uma erotização crescente da exibição do corpo feminino por parte dos meios de comunicação brasileiros. Você concorda com essa visão? Em caso positivo, a que você atribui esse fenômeno? Em caso negativo, o que você diria sobre esse assunto?

Jozé de Abreu: Existe, sim, mas o fenômeno não é novo nem se restringe ao Brasil. Erotismo vende e a lógica da mídia ocidental é, obviamente, capitalista. Há mais de 30 anos, as Chacretes já faziam as delícias dos marmanjos rebolando aquelas bundas imensas na TV, em pleno sábado à tarde. Acho que às vezes rola um certo exagero na TV aberta, mas os códigos de auto-regulamentação são eficientes e terminam ajustando as coisas. Na verdade, não acho que essa seja uma questão muito importante. Pior, bem pior, é a banalização do mal, da violência. Prefiro ter filhos erotizados do que ter filhos bandidos.

Géh - Fronteiras entre erotismo e pornografia: A discussão sobre os limites entre "erotismo" e "pornografia" é um tema recorrente. Um exemplo é o de uma campanha humorística na web que exibia um banner com os dizeres "Abaixo as fotos sensuais! Quero ver mulher pelada". Como diferenciar o que é o "nu artístico", a "fotografia erótica" e a "fotografia pornográfica"? Como fotógrafo, qual a sua opinião sobre o limite entre arte e pornografia?

Jozé de Abreu: Essa é uma discussão estéril. A fronteira entre o erótico e o pornográfico é difusa, subjetiva e pessoal. Muda de acordo com a época, com a cultura. Durante a ditadura, era proibido mostrar os mamilos e os pelos pubianos. As modelos que saiam na Playboy não tinham pentelhos nem mamilos, pareciam umas "Barbies". Hoje a Playboy é lida até em sala de espera de dentista e ninguém engasga com os pentelhos.

Acho a expressão "nu artístico" muito pedante. Qual seria o oposto do nu artístico? "Artístico" aí é usado como sinônimo de bom gosto e, nós sabemos, o bom gosto é socialmente determinado. Nem toda nudez tem apelo sexual. Por exemplo, as fotos do Spencer Tunik, aquele que fotografa um monte de gente nua amontoada nas ruas, não são eróticas, nem pornográficas. São políticas.

Mas, vamos lá! Do ponto de vista de quem consome: Pornográfica é a foto que você não se sente à vontade de admirar junto com seus pais ou com seus filhos. Do ponto de vista de quem produz: a foto é pornográfica quando tem a intenção de provocar excitação sexual. Pelo menos, essa é a distinção que me ocorre no momento.

Géh - Pornografia e Internet: Recentemente, a Internet deu novo fôlego à indústria pornográfica, que fatura hoje pelo menos vinte vezes mais do que nas décadas de 1980 e de 1990. Agora se pode ter acesso a imagens e vídeos de sexo com um simples clique do mouse. A que você atribui esta incrível demanda?

Jozé de Abreu: De certo modo, a Internet democratizou o acesso a esse tipo de material. E as páginas com conteúdo sexual são realmente as campeãs de acesso. Acho que isso se deve a vários fatores. A maioria dos internautas é jovens, esse é o primeiro ponto. Outro aspecto importante é que a Internet permite que as pessoas acessem esse tipo de material sem se exporem, sem ter que ir à banca de revista ou à locadora de vídeo.

Géh - Masturbação: Percebe-se na mídia a crescente busca por imagens do corpo nu erotizado, atividades sexuais, com finalidade primariamente masturbatória. Na sua opinião o público masculino ainda é o maior consumidor neste mercado?

Jozé de Abreu: O público masculino ainda é maioria, mas isso vem mudando. É cada dia maior o número de mulheres que consomem material pornográfico. As estatísticas dos sites pagos mostram isso claramente. O número de assinantes do sexo feminino vem aumentando consistentemente.

Géh - Influência social da pornografia: Existem opiniões contraditórias sobre a pornografia em geral. Alguns sugerem que há uma relação entre pornografia e estupro, e outras formas de violência. Já a escritora Wendy McElroy afirma que: "Ela estimula fantasias sexuais. Ensina a pessoa a ter prazer no sexo". Para outros, a pornografia incentiva a tratar o sexo com franqueza. "A pornografia beneficia as mulheres", diz a escritora. Qual a sua visão sobre a influência social da pornografia?

Jozé de Abreu: Concordo com a Wendy. A pornografia é necessária e desejável. Ela confronta as pessoas com suas próprias fantasias, faz com que o homem ou mulher constate que não está sozinho em suas esquisitices, que existem outras pessoas que compartilham os mesmos gostos e interesses. A pornografia tem um lado educativo também. Mas é preciso ter em mente que os filmes pornográficos são ficção. Quem assiste ao Homem Aranha não sai por aí tentando saltar entre os edifícios. Do mesmo modo, quem assiste filme pornô não deve tomar o desempenho dos atores e atrizes como referência para seu próprio desempenho.

Géh - Vício Pornográfico: Nem todo mundo que vê pornografia ficará viciado. Alguns, talvez, apenas ficarão com algumas idéias distorcidas sobre mulher, sexo, casamento e crianças. Porém, outros terão algum tipo de abertura emocional que permitirá que o vício tome lugar. A pornografia pode distorcer o conceito que a pessoa tem sobre o sexo oposto?

Jozé de Abreu: Claro que pode. Toda mídia tem essa capacidade de distorcer conceitos e percepções. Portanto, não é só a pornografia que pode levar a uma visão distorcida do outro. Os programas de auditório, por exemplo, fazem isso de forma muito mais eficiente.

Géh - A Estética do belo: Na sua opinião, como apreciador da fotografia, gostaria que abordasse a "estética do belo" na fotografia primeiramente:

- Num conceito geral sobre fotografia:

Jozé de Abreu: Os conceitos estéticos mudam com o tempo. O problema é que, hoje, essas mudanças se processam mais rapidamente. Alguns fotógrafos conseguem superar isso e fazer fotos atemporais, que são belas hoje e continuarão sendo daqui a 50, 100 anos. Acho que o segredo é não se deixar influenciar por padrões impostos, ter um olhar só seu, mas isso nem sempre é possível.
Quem fotografa para revistas, por exemplo, não tem como escapar à ditadura da estética imposta pela mídia. Fotógrafos como Helmut Newton, Robert Maplethorpe e Irina Ionesco são exceções. A Irina, por exemplo, disse certa vez o seguinte: "em fotografia, só o que é estranho me interessa".

- Na fotografia do corpo, fotografia sensual:

Jozé de Abreu: O corpo é sempre um desafio e é isso que me fascina: conseguir uma abordagem nova e surpreendente. Claro que a técnica conta. A luz, o equipamento, a produção cuidadosa. Mas isso não basta. Fundamental mesmo é o olhar.


Se a entrevista fosse realizada hoje, eu não mudaria uma vírgula.


3 comentários:

Anônimo disse...

E nem precisa!
Obrigada pela força.
Pretendo reduzir o tamanho dos textos.

Carlos Emerson Junior disse...

Muito interessante e instrutiva a entrevista. Valeu a pena colocá-la aqui.
Gosto de fotografia mas nunca me senti confortável com, digamos, modelos humanos. E duas coisas ditas aí são muito importantes:
- o estranho (ou inusitado) interessa (Irina Ionesco) e fundamental mesmo é o olhar (José de Abreu).
Um presentão prá gente! Obrigado.

Claudia Pinelli® disse...

Fundamental mesmo é o olhar.
Massa..
Parabéns por se manter fiel a suas convicções..
Bjo.